A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou em 8 de novembro de 2018 as novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do Ensino Médio.
O documento estava em discussão pelo órgão em paralelo ao debate sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da etapa, e atualizou seu formato.
O documento prevê até 20% da carga horária do Ensino Médio possa ser feita na modalidade Educação a Distância (EAD), chegando a 30% no Ensino Médio noturno.
Para a Educação para Jovens e Adultos (EJA), o texto permite até 80%.
Após a consulta pública, que se encerrou em outubro, os conselheiros incluíram que a modalidade EAD seja realizada “preferencialmente” sobre o chamado conteúdo diferenciado, ou seja, o conteúdo utilizado nos 40% da carga horária flexível, já prevista pela reforma do Ensino Médio.
O documento indica que a modalidade não presencial pode cobrir o conteúdo comum e a parte optativa.
A esperança dos conselheiros é de que o novo documento dê conta de suprir, de alguma maneira, as lacunas deixadas tanto pela lei de reforma do Ensino Médio quanto pelo próprio texto da BNCC.
Entenda as novas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio
Uma das medidas polêmicas que foram aprovadas é a possibilidade de oferta à distância de até 20% da carga horária do Ensino Médio diurno e 30% no Ensino Médio noturno. Veja, a seguir, os principais pontos abordados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais:
- Os currículos serão compostos por formação geral básica (contemplada pela BNCC) e itinerário formativo. A formação geral básica é composta pelas competências e habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (ainda sob análise), organizadas por áreas de conhecimento: Linguagens e suas tecnologias; Matemática e suas tecnologias; Ciências da Natureza e suas tecnologias e Ciências Humanas e suas tecnologias;
- A formação geral básica deve ter carga horária total máxima de 1800 horas, que podem ser divididas entre todos os anos do Ensino Médio ou somente em parte deles (com exceção dos estudos de Língua Portuguesa e Matemática);
- A interdisciplinaridade é reforçada em diferentes momentos. Estudos e práticas de diferentes disciplinas (Língua Portuguesa e língua materna para as comunidades indígenas, Matemática, Geografia, Arte, Educação Física, História, Sociologia, Filosofia e Língua Inglesa) devem ser contemplados, “sem prejuízo da integração e articulação das diferentes áreas do conhecimento”;
- Outras línguas estrangeiras podem ser oferecidas em caráter optativo, assim como a oferta de outras “competências eletivas complementares” também podem ser oferecidas pelas redes de ensino que quiserem, como forma de ampliar a carga horária dos itinerários;
- Os temas que devem ser abordados de maneira transversal são: respeito ao idoso, direitos das crianças e dos adolescentes, educação para o trânsito, educação ambiental, educação alimentar, educação em direitos humanos e educação digital;
- Há cinco possibilidades de itinerários formativos que podem ser organizados pelas instituições (quatro se aprofundando em cada uma das áreas de conhecimento e um quinto focado em formação técnica e profissional).
- Todos os municípios devem oferecer pelo menos dois itinerários de áreas diferentes, e diferentes instituições de ensino podem criar parcerias para garantir a oferta de diferentes itinerários.
- Os estudantes poderão optar por mudar de itinerário ao longo do Ensino Médio (desde que haja oferta em sua escola ou rede) ou cursar mais de um de maneira concomitante ou sequencial;
- Os itinerários formativos têm quatro eixos estruturantes: investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo. Entre esses quatro, pelo menos um deve ser indicado para estruturar o itinerário (mas mais de um podem ser escolhidos);
- O Ensino Médio noturno continua com, no mínimo, quatro horas de aula por dia letivo. A diferença é que, até 2022, a carga horária anual deve ser ampliada de 2.400 horas (800 por ano) para 3.000 (a mesma carga que o ensino diurno). Para isso, será possível aumentar os anos letivos para mais de 3;
- No Ensino Médio diurno, a carga horária deve ser ampliada gradativamente até chegar a 1.400 horas anuais (aproximadamente 7 horas de aula por dia letivo);
- O ensino a distância pode contemplar até 20% da carga horária total do Ensino Médio diurno e 30% do noturno. Isso equivale a 200 horas anuais para as turmas diurnas e 300 horas para as turmas da noite. A recomendação é que ele seja utilizado nos itinerários formativos, mas é possível aplicá-lo na formação básica.
- Na Educação de Jovens e Adultos – EJA, é possível oferecer até 80% de sua carga horária a distância, tanto na formação geral básica quanto nos itinerários formativos (desde que, segundo o documento, haja suporte tecnológico e pedagógico);
- Os sistemas de ensino podem aceitar atividades que os estudantes realizarem fora da escola como complementares à carga horária tanto da formação básica quanto dos itinerários.
- Aulas, cursos, estágios, oficinas, atividades de extensão, pesquisa de campo, participação em trabalhos voluntários e outras atividades, inclusive a distância, devem ser avaliadas e reconhecidas como parte da carga horária;
- Profissionais com “notório saber” podem atuar como docentes do Ensino Médio apenas no itinerário de formação técnica e profissional para ministrar conteúdos relacionados com sua formação ou experiência profissional;
- O Exame Nacional do Ensino Médio será reformulado para acontecer em duas etapas: uma que terá como referência a BNCC e outra que utilizará os Referenciais para a Elaboração dos Itinerários Formativos.
Foram 8 votos a favor, uma abstenção e um voto contra (de Chico Soares, ex-presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
O texto segue para homologação do Ministro da Educação, Rossieli Soares. A partir de sua publicação, o próprio ministro e sua equipe terão 3 meses (registrados pelas DCNs) para elaborar os Referenciais para a Elaboração dos Itinerários Formativos.
O Ensino a Distância na Educação Básica é uma das iniciativas defendidas pelo presidente eleito Jair Bolsonaro, que defende a sua necessidade para atender locais mais remotos. Muitos educadores argumentam, entretanto, que o processo de aprendizagem envolve a convivência com outros alunos e diretamente com os professores.
Leia a seguir a íntegra da nota divulgada pelo CNE:“Após dois anos de intensos trabalhos, a Câmara de Educação Basica – CEB do CNE aprovou por esmagadora maioria (8 votos a favor, 1 contra e 1 abstenção) o parecer e a minuta de resolução propostos pelo relator Rafael Lucchesi,e aperfeiçoados em 6 sessões da Comissão/Câmara nesta semana, com mais de 17 horas de discussões ao longo de quatro dias. As melhorias incorporadas ao texto foram fruto das mais de 90 contribuições recebidas ao longo do período de consulta pública. A CEB seguiu todos os trâmites tradicionais do CNE para documentos desta natureza. Assim sendo, a maioria dos conselheiros entendeu que não havia motivo para postergar sua aprovação, legando ao País um importante documento orientador para a implementação da reforma do ensino médio brasileiro, que vem sendo discutida desde o início desta década pelos mais diversos governos.Eduardo Deschamps – Presidente da Comissão do Ensino a distância na Educação Básica.
A possibilidade de ensino a distância na Educação Básica já é tema de debate desde 2017, com a aprovação da lei de reforma do Ensino Médio que abre possibilidade, entre outras coisas, para os sistemas de ensino “reconhecer competências e firmar convênios com instituições de educação a distância com notório reconhecimento”.
Antes disso, o ensino a distância era permitido quando “utilizado como complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais”, de acordo com a nossa Lei de Diretrizes e Bases (LDB). É o que acontece em Manaus, por exemplo: comunidades pequenas, com poucos alunos para montar turmas e ainda menos professores específicos de todas as disciplinas, fazem uso de videoaulas oferecidas pelo Centro de Mídias de Educação do Amazonas (Cemeam).
À convite do Instituto Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), as especialistas Gabriela Moriconi e Paula Louzano analisaram o que seria essa oferta de Ensino à Distância desde o Ensino Fundamental e escreveram o artigo abaixo:
EaD não é política nos melhores sistemas educacionais do mundo
“É preciso esclarecer que nenhum dos sistemas educacionais com os melhores resultados em avaliações internacionais, incluindo os destacados, adota o ensino a distância como política educacional. Muito pelo contrário: os países não só se apoiam no ensino presencial como as escolas funcionam em turno único, geralmente com jornadas diárias maiores que as nossas. Aqui é possível obter dados sobre o tempo dedicado à educação obrigatória em diversos países.
A título de exemplo, no Japão, não há nenhuma escola de educação básica que ofereça ensino a distância. Os alunos japoneses permanecem na escola cerca de 7 horas por dia. Lá ‘a Educação, que adota uma abordagem holística, é promovida por meio de professores que se engajam ativamente com os alunos’. Isto porque os professores japoneses não ensinam apenas os conteúdos curriculares aos alunos: eles os orientam em suas escolhas, trabalham questões ligadas à convivência e cooperação com os colegas, discutem com os alunos sua relação com a sociedade e a comunidade local, dentre tantas outras atividades. Nesse link é possível se aprofundar e obter mais informações sobre o sistema educacional japonês.
O que o caso do Japão nos ajuda a exemplificar é a premissa praticamente consensual no campo educacional de que a escola tem uma ampla função social. A Lei de Diretrizes Básicas da Educação Brasileira, a LDB, define que a educação tem por finalidade ‘o pleno desenvolvimento do educando’, o que envolve o desenvolvimento cognitivo, social, físico, emocional, etc. Privar crianças e adolescentes de escolas presenciais é privá-las dessas formas de desenvolvimento obtidas pela convivência com colegas e com a equipe escolar.
O argumento de que grandes distâncias dificultam aulas presenciais não pode ser usado para negar o direito à escola a crianças e adolescentes das zonas rurais. Já há, no Brasil, muitas experiências conhecidas e bem-sucedidas na promoção do acesso e permanência na escola e conclusão dos estudos por alunos de zonas rurais e também de outros grupos igualmente vulneráveis à exclusão escolar no país, como os negros e os indígenas, os com deficiência, os que vivem no Semiárido, na Amazônia e na periferia dos grandes centros urbanos. Essas experiências sim devem ser analisadas e aproveitadas pelas diferentes esferas de governo. No site da Unicef, há um diagnóstico acerca da exclusão escolar e experiências propostas para o seu enfrentamento.
Outra característica comum dos melhores sistemas educacionais do mundo é o foco em desenvolver uma profissão docente forte, com um compromisso de investir em profissionais bem formados para tomar decisões adequadas sobre como promover a aprendizagem de cada grupo específico de alunos (as políticas adotadas por esses sistemas são descritas aqui). Foi o caso da Coréia do Sul, que investiu e regulou fortemente a profissão docente no país, transformando-a em uma das mais atrativas do mercado de trabalho. Um professor na Coréia do Sul ganha o equivalente a um engenheiro, e a oferta de cursos de licenciatura é extremamente restrita, com programas tão intensos e exigentes como os de medicina. Este grande investimento no professor se baseia nas pesquisas sobre a centralidade deste profissional para o desenvolvimento cognitivo, social e emocional dos alunos.
A educação a distância é um fenômeno crescente nos Estados Unidos em todos os níveis educacionais. Em 2016, já havia em torno de 280 mil alunos da educação básica recebendo ensino totalmente virtual nesse país, sendo 70% deles em escolas que recebem recursos públicos, mas são gerenciadas por empresas com fins lucrativos. Essas empresas têm obtido altos lucros ao diminuir fortemente os custos, em especial com os professores, que chegam a acompanhar 60 alunos por turma – resultando, obviamente, em uma redução da qualidade do ensino oferecido. Não é de se estranhar que, para as escolas para as quais já há medidas de desempenho em testes cognitivos, os resultados sejam piores do que os das escolas presenciais (acesse aqui um relatório técnico sobre as escolas virtuais nos Estados Unidos e aqui uma reportagem do The New York Times sobre o assunto). Isso sem falar no desenvolvimento nos demais aspectos.
Para o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes é preciso acesso ao conhecimento, mas também muita socialização. Sem a convivência constante com outros estudantes e com profissionais especializados, reduzir-se-ão consideravelmente as chances de que as crianças e adolescentes desenvolvam a capacidade de cooperar, respeitar as diferenças, ter empatia, trabalhar em equipe, resolver conflitos, dentre tantas outras tão necessárias para a vida em sociedade.“
Gabriela Moriconi é doutora em Administração Pública e Governo pela EAESP-FGV e atualmente pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. Paula Louzano é doutora em Política Educacional pela Universidade de Harvard e atualmente diretora da faculdade de educação da Universidad Diego Portales, no Chile.
Fonte: Nova Escola
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