As avaliações mostram que os alunos aprendem mais quando têm a oportunidade de conviver com os livros na escola. Ajudá-los a descobrir esse mundo é muito divertido e enriquecedor.
Há um tesouro na escola. Ao alcance de todos, é capaz de operar pequenos milagres em quem se apossa dele. Ele aumenta à medida que transfere sua riqueza (o conhecimento) para um número cada vez maior de professores e alunos. Por isso é preciso descobri-lo, torná-lo parte da vida de todos, melhorá-lo constantemente. Os ganhos são visíveis. Um cruzamento de dados realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais com base nos resultados de 300 mil estudantes no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb) revela um desempenho quase 20% superior nos colégios em que mais de 75% dos alunos manipulam e lêem regularmente as obras das estantes. "Existe uma clara correlação entre a existência e o uso da biblioteca e notas melhores, principalmente em Língua Portuguesa", afirma Carlos Henrique Araújo, diretor de Avaliação do Ministério da Educação.
Infelizmente ainda se contam aos milhares as "ilhas sem tesouro" em nosso país. Das mais de 172 mil escolas de Ensino Fundamental, apenas 46 mil contam com biblioteca ou sala de leitura. O quadro melhora no Ensino Médio, com 81% das unidades aparelhadas. Além disso, muitas crianças brasileiras nascem em lares com pouco material escrito. Um em cada quatro alunos de 4ª série, segundo o Saeb de 2001, não tem nenhum livro em casa. Daí a importância da biblioteca - e do professor, que é o primeiro "leitor" da vida desses meninos e meninas. Ao ler em voz alta, você estará ajudando a construir o mundo na cabeça dos estudantes. "Por isso", destaca Marisa Lajolo, do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, "é importante aprender a ler com ritmo e entonação adequados. Hoje são raras as pessoas que conseguem fluência e vivacidade numa primeira leitura e o melhor é ensaiar previamente."
Nas próximas páginas você vai ver que algumas escolas públicas e particulares vêm mostrando aos alunos como ficar ricos acessando essa caixa que é um verdadeiro tesouro. Aliás, também no sentido literal. Em grego, bibliontekhé quer dizer caixa de livros. Que tal abri-la juntos?
Livro para o aluno
A exemplo do que ocorreu no ano passado, o Programa Nacional de Biblioteca da Escola (PNBE) vai entregar em 2003 livros diretamente aos alunos. O MEC pretende ampliar o programa, atendendo cerca de 7 milhões de estudantes de 4ª e 8ª séries e do 2º segmento das classes presenciais de Educação de Jovens e Adultos. Outra novidade prometida por Lucia Lodi, diretora do Departamento de Política para o Ensino Fundamental do MEC, é a criação de um instrumento de apoio para o professor trabalhar os livros em aula, além de dicas sobre organização de um espaço de leitura e relato de experiências.
O aluno na biblioteca da escola
Com cada faixa etária é possível um tipo de trabalho diferenciado na biblioteca. As sugestões a seguir foram criadas por Carol Kuhlthau, da Rutgers University, nos Estados Unidos, em seu livro Como Usar a Biblioteca na Escola. "A tradução brasileira, feita por um grupo de professores da Escola de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais, adaptou a obra com sugestões de bibliografia e atividades voltadas para a realidade brasileira, deixando-a ainda mais interessante", destaca a consultora pedagógica Maria José Nóbrega.
4 a 6 anos - Conhecendo a biblioteca: a principal atividade é ler muitas histórias, sempre curtas e simples, pois prender a atenção de uma classe inteira de crianças pequenas é difícil. Atividades lúdicas, como descobrir "onde o livro mora", introduzem os pequenos na organização do espaço.
6 e 7 anos - Envolvendo as crianças com livros e narração de histórias: nessa fase, que coincide com o processo de alfabetização, a prioridade se mantém na leitura em voz alta pelo professor, complementada por atividades de compreensão, como desenhar ou dramatizar a narrativa. As crianças devem escolher e manusear os livros da biblioteca ou sala de leitura.
7 e 8 anos - Prática de leitura: escutar uma história e, em seguida, mergulhar numa atividade, de preferência em grupo. Eles já podem entrar em contato com obras de referência, como enciclopédias e dicionários. Hora de começar a ler jornais e revistas.
9 e 10 anos - Começando a usar recursos informacionais: aos 9 anos, a criança consegue entender os mecanismos de procura por autor, título e assunto e pode produzir um texto usando duas fontes diferentes. O trabalho em grupo continua eficiente, mas é recomendável estabelecer uma agenda de leitura individual. Obras de suspense costumam ter boa aceitação.
11 e 12 anos - Usando a biblioteca de maneira independente: nessa fase de pré-adolescência ocorre notável diferenciação na classe, pois as meninas estão mais amadurecidas. Capazes de pesquisar em várias fontes (inclusive na internet) e produzir texto, todos são bem receptivos a jogos e gincanas. Textos de terror, aventura e romance são bem lidos nessa fase de transição.
13 e 14 anos - Mergulhando no ambiente informacional: na adolescência nem sempre as atividades em grupo na biblioteca se mostram produtivas, por causa da dispersão natural da idade. Nesse período de muitas escolhas, de busca de independência e de identidade com o grupo, os alunos tornam-se conscientes do ambiente da informação e já estão totalmente familiarizados com a pesquisa em várias fontes, com o uso da internet e de recursos audiovisuais, muitas vezes para buscar assuntos de interesse pessoal. É a última etapa antes da autonomia no uso da biblioteca, que se concretiza durante o Ensino Médio.
O objetivo central, em qualquer trabalho envolvendo biblioteca escolar, é criar autonomia nos alunos. "Tão importante quanto garantir o acesso à informação é ensinar o aluno a buscar, localizar, selecionar, confrontar, estabelecer nexos e, com base em tudo isso, produzir o próprio discurso e criar textos", ensina Edmir Perrotti, chefe do departamento de Biblioteconomia da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e um dos autores do projeto Biblioteca Interativa, implantado em São Bernardo do Campo (veja abaixo). "A biblioteca escolar deve ser um espaço de formação e de educação para a informação."
Para criar uma sala de leitura dinâmica
Existem várias sugestões simples que ajudam a construir o hábito de leitura e reforçam o papel da biblioteca escolar entre os estudantes. Confira a seguir algumas delas, fotografadas em bibliotecas de verdade, nas Escolas Municipais de Educação Básica Marcos Rogério da Rosa e Padre Manoel da Nóbrega, ambas da rede pública de São Bernardo do Campo (SP), que mantém o projeto Biblioteca Interativa, criado por professores de Biblioteconomia e Arquitetura da Universidade de São Paulo, e na Escola Projeto, de Porto Alegre.
Ao alcance da mão
Na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental, o ideal é deixar os livros em estantes-caixotes. Mais baixas, elas facilitam a visualização da capa, fator de escolha para quem não lê bem. Se tiverem rodinhas, elas podem ser levadas ao pátio
Acervo atualizado
É essencial fazer novas aquisições, repor e recuperar volumes danificados. A direção da escola, em parceria com a Associação de Pais e Mestres, deve escolher o que comprar. Boa dica é fazer assinaturas de revistas (pedagógicas e de interesse geral) e jornais
Deixe ler em casa
Em São Bernardo do Campo, Márcia Ploretti fez um curso de capacitação para ser contadora de histórias e incentiva a garotada a levar os livros para ler em casa. Além de administrar a entrada e saída dos volumes, ela ajuda os colegas a escolher material
O aluno é autor
O astral da biblioteca fica mais rico quando o aluno se sente parte dele. Ponha na estante livros produzidos em classe. E monte um painel como o da foto, que tem várias resenhas produzidas pelas próprias crianças. Entrevistas gravadas também devem ser arquivadas
Ambiente agradável
Boa infra-estrutura é essencial. Bancos acolchoados e pufes espalhados pelo espaço criam um ambiente acolhedor. Dedique atenção especial à iluminação da sala. O piso emborrachado permite que a criança leia sentada no chão e fantasias atiçam a criatividade
Mais autonomia
Segundo os especialistas, toda classe deve ir ao menos um dia por semana à biblioteca. Tanto faz se o horário é para pesquisa ou leitura livre. O que importa é dar autonomia às crianças, ensinando-as a localizar o que procuram e mostrando que a biblioteca é parte do dia-a-dia
A biblioteca do professor
No município de Marabá, às margens do rio Tocantins, no sul do Pará, não existe cinema nem biblioteca pública, mas diversas escolas têm comunidades de leitores e a hora da leitura está incorporada ao cotidiano. Graças, em grande parte, à criação da Biblioteca do Professor. Dos 1,6 mil docentes da rede pública, mais da metade já retirou ao menos um livro. Além de títulos de formação e clássicos da literatura, a biblioteca oferece a possibilidade de criar um "kit literário" com até 30 livros para ser trabalhados durante uma semana em sala de aula. Além do acervo, a biblioteca repassa estratégias de trabalho e dinamização das salas de leitura espalhadas pelas escolas da rede (embora nem todas possuam, principalmente as da zona rural). Para incrementar o acervo, a coordenadora Francisca Oliveira Lopes teve uma idéia bem diferente: aproveitar o auditório da Secretaria de Educação para projetar vídeos no telão. A sessão é aberta a todos os moradores e os espectadores precisam dar um livro em troca do ingresso.
Uma das conclusões a que se chega vendo a experiência em Marabá é que não importa se o acervo de livros de uma escola é grande ou pequeno, pobre ou rico. Qualquer estante de livros, somada a uma boa estratégia de leitura, é capaz de se transformar em uma biblioteca escolar e das mais dinâmicas.
Na Escola Municipal Jonatas Pontes Athias é fácil perceber as vantagens de priorizar os projetos de leitura. A gincana cultural é bom exemplo. Tarefas como dramatizar uma entrevista com um autor ou personagem, parodiar uma música conhecida com o enredo de um livro ou recontar a história por meio de coreografia mobilizam professores, pais e alunos em torno de um objeto cada vez mais comum por lá, o livro.
Na biblioteca da Jonatas Athias não faltam produções dos próprios alunos. Edmir Perrotti, da Universidade de São Paulo, elogia a iniciativa. "Acervo não é um conjunto de documentos, mas de significados. Quando um estudante tem sua criação incorporada ao acervo, ele se vê como produtor de cultura." Outra estratégia adotada é o "leitor do dia", que deve estudar em casa o texto para ler aos colegas. Aos sábados, as aulas são dedicadas à leitura.
O trabalho de sensibilização dos professores de Marabá para a importância do ato de ler começou em 2001 e transformou a própria forma de trabalho, como destaca a capacitadora Eliane Mingues, do Centro de Estudos e Documentação para a Ação Comunitária (Cedac). "No começo muitos acham que as crianças não vão gostar. Quando participam das oficinas, já começam a gostar. E em sala de aula o trabalho cresce muito." Segundo ela, é comum os alunos passarem a cobrar a leitura diária. Estratégia, aliás, defendida por Marisa Lajolo, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp: "Quando prevista na grade curricular, a leitura ganha visibilidade no dia-a-dia da escola". E, poderíamos acrescentar, a biblioteca também.
Ao cobrar de seus professores que leiam todo santo dia, a turma de Marabá parece ter escutado o conselho do escritor francês Daniel Pennac: "Excelentíssimas crianças, se eu fosse vocês, a primeira coisa que pediria à professora ao entrar na sala de aula, pela manhã, seria: Leia uma história para nós. Não existe melhor maneira de começar um dia de trabalho!" Quer apostar?
Missão: formar os leitores do futuro
Quando se fala em biblioteca escolar, é inevitável pensar nos hábitos de leitura dos alunos. Formar bons leitores significa encantar as crianças, enfeitiçá-las com o poder que vem dos livros. Mas isso não se forja com obrigações, muito menos com trabalhos sistemáticos de compreensão de texto. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), a leitura é sempre um meio, nunca um fim. Por isso, na escola ela deve ter várias funções, pois é diferente ler para se divertir, ler para escrever, ler para estudar, ler para descobrir algo que deve ser feito etc. Os PCN recomendam que o acervo da biblioteca seja variado, que nos momentos de leitura livre o professor leia junto com a turma e que os alunos também possam, em alguns momentos, escolher as próprias leituras e levar os títulos para casa.
A pedagoga Eliane Mingues, do Cedac, trabalha há vários anos com comunidades de leitores formadas por docentes. Ela costuma enfrentar o "vício da interpretação", que pode inibir o gosto pela leitura, com uma pergunta curiosa aos professores: "Quando vocês terminam de ver uma fita de vídeo em casa com a família ou os amigos, alguém fica perguntando Qual foi a parte mais importante? ou Quem são os personagens principais? Por que, então, fazer perguntas desse tipo ao aluno sobre os livros?" As crianças, ensina ela, têm direito a ler livres de interpretações e lições. Só dessa forma conseguirão mergulhar num livro com o mesmo prazer com que vêem um bom filme. E o prazer traz mais prazer. Ou seja, um bom livro lido é o melhor adubo para formar futuros leitores.
Quando ler era tortura
Já imaginou dar uma aula tendo como livro de leitura a Constituição ou o Código Penal? Pois até meados do século 19 eram esses os materiais disponíveis. No início do século 20, só os célebres manuais de Abílio César Borges, um avançado educador que suprimiu os castigos físicos em sua escola, representavam alguma melhora. Através do Brasil, uma viagem de três garotos impregnada de ufanismo e escrita por Olavo Bilac e Manuel Bonfim, pecava pela excessiva preocupação moral, embora fosse uma boa novidade.
Só em 1921, com A Menina do Narizinho Arrebitado (ao lado), de Monteiro Lobato, editado pelo próprio autor como "segundo livro de escola", surgiria o ingrediente do prazer, vital segundo todos os estudiosos da questão da leitura. Desde então, os textos ficaram cada vez mais atraentes e nossos autores são reconhecidos em todo o mundo. É o caso de Ana Maria Machado e Lygia Bojunga, vencedoras do Prêmio Christian Andersen, considerado o Nobel da literatura infanto-juvenil.
CONTE SUA EXPERIÊNCIA
Sua escola inventou um jeito para montar uma biblioteca ou melhorar seu acervo? Mande para nós o relato da experiência, pelo correio ou por e-mail. A história pode ser útil para muitos colegas e, no futuro, até virar reportagem na Revista do Professor. Não perca tempo! Mande já seu relato.
Por e-mail: novaescola@atleitor.com.br
Por carta: Av. das Nações Unidas, 7221, 6º andar, CEP 05425-902, São Paulo, SP
Quer saber mais?
Como Usar a Biblioteca na Escola Um Programa de Atividades para o Ensino Fundamental, Carol Kuhlthau, 303 págs., Ed. Autêntica, tel. 0800-283-1322, 32 reais
Ler e Escrever na Escola O Real, o Possível e o Necessário, Delia Lerner, 120 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 26 reais
Biblioteca e Formação Docente: Percursos de Leitura, Marta Maria Chagas de Carvalho e Diana Gonçalves Vidal (orgs.), 96 págs., Ed. Autêntica, 22 reais
Caminhos da Escrita Espaços de Aprendizagem, Élie Bajard, 319 págs., Ed. Cortez, tel. (0_ _11) 3864-0111, 34 reais
Histórias e Histórias: Guia do Usuário do Programa Nacional Biblioteca da Escola PNBE 99, vários autores, 268 págs., MEC/SEF, 2001
Guia do Livronauta Sobrevoando o Tesouro da Biblioteca e Aterrissando na Prática, Madza Ednir (coord.), 161 págs., MEC/SEF, 2001
Biblioteca da Escola Direito de Ler, Elizabeth DAngelo Serra (coord.), Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, PROLER 2002, 70 págs.
Fundação Biblioteca Nacional, tel. (21) 2556-5878, pedidos pelo e-mail: proler@bn.br br), no ícone PNBE, é possível ler os pareceres dos especialistas sobre todos os livros do programa
http://revistaescola.abril.com.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Estou feliz com sua visita! volte sempre